Thursday 18 June 2009

Dramaturgo bom é dramaturgo morto?


por Márcio Castro
(Texto extraído do Caderno Suporte produzido pela Cia. Les Commediens Tropicales)

Antes de falar do dramaturgo eu vou falar de dramaturgia. Dramaturgia boa é dramaturgia morta?

Diálogo
Dramaturgia morta, para mim, é aquela que não dialoga com o resto. Que não dialoga com o cenário, com a interpretação, o figurino, o som, a música, o ator.E todos nós somos responsáveis por isso. Todos nós da criação. Assim como não quero a superioridade e a ditadura do texto, também não acredito que possamos desdenhá-lo. A dramaturgia tem pé de importância tanto quanto.
Nesse sentido, principalmente no processo colaborativo, a atenção, o olhar, o envolvimento, a permeabilidade disso tudo e tantos outros substantivos ligados a este trabalho em específico no teatro traduzem o caminho vivo na criação. Talvez, momentos ou outros – ou talvez na maioria mesmo, cada um sabe do seu – temos dificuldades em ajustar as balanças. Por vezes os maneirismos nos tomam. O conforto de apoiar-se numa coisa invés doutra ou o conforto de uma coisa com outra.

Querer ser refém de uma especificidade na área de criação teatral. Querer um texto teatral que realmente funcione, e, com isso, se eximir de uma preocupação individual, com o seu apontamento como artista, e seu olhar em relação à obra de arte é, para mim, um dos momento em que a dramaturgia sai perdendo. E como conseqüência, o teatro também fica para trás. Conforto na atuação artística. Confiar demais que a dramaturgia resolva e que pode trazer êxito ao nosso trabalho, sem grandes problemas.

Ou então querer um trabalho no qual a dramaturgia não se coloca, achar que o texto é um elemento retrógrado, preferir que a criação fique livre e se ajuste aos nossos limites de construção cênica.

Escondermo-nos atrás de um discurso de “proposta aberta” pode revelar que o que não queremos é na verdade assumir que a dramaturgia traz um encadeamento relevante e contundente, e que justificamos essa falha por trás dos maneirismos estéticos. É claro que a estética é discurso poético, mas a estética não pode ser só estética (e será possível que se consiga isso?). E quero deixar claro que não venho defender o pensamento fechado na construção da obra de arte. Venho defender uma experienciação realmente contundente. Não é fácil mesmo. Em momentos, dentro do trabalho, cada um quer vender o seu peixe como o melhor, mas sem os outros peixes não se faz um mar saudável.

No caso de um dramaturgo não presente no trabalho – e não importa se ele não se faz presente na sala pelo seu corpo, porque sua obra pode se tornar viva na sua sombra que vem com a presença de suas letras e provocações – a responsabilidade do núcleo de criação talvez seja maior ainda, o olhar tem que ser mais aguçado, mais cuidadoso e por vezes mais radical, numa balança de vai e vem, sobe e desce. Olhar para tudo isso. E o diálogo.

É preciso ter a consciência que dramaturgia é muito mais do que palavra em folha, sentença escrita no papel. Dramaturgia é silêncio, folha branca, frases sobrepostas, música, luz....

Enfim, para mim dramaturgia boa é que faz o dramaturgo bom. Dramaturgia morta é que faz o dramaturgo morto, independente se está vivo ou não. Se dramaturgo é bom, morto ou não, não me incomoda. O que me incomoda é dramaturgo vivo que quer sua obra lidada de forma morta, embalsamada. Mas ao mesmo tempo me interessa, e muito, as maravilhosas criações de coletivos, com textos de dramaturgos falecidos que saltam da terra e dançam no mundo por cima de seus caixões.

Jogando junto Colaborativo Clube

(uma crônica esportiva sobre processos)

- Estamos chegando na reta final do Campeonato Colaborativo Clube. E o que vemos não é um time é uma verdadeira seleção. Melhor escalação impossível. Em campo os atores e músicos, todos muito bem posicionados. O esquema tático é o 1-4-4. Os atores podem se revezar nas posições e o importante é a criatividade, improvisação. Nada muito duro, sem marcação homem a homem.

- No banco, o dramaturgo e colaboradores da direção de arte. Dá para notar a ansiedade em cada um, a escalação foi revelada momentos antes do início da partida.

- E o apito dá início ao primeiro tempo. Os atores jogam com muita disposição, vestem a camisa do time. O preparo físico é impressionante. Um ou outro desfalque não compromete o desempenho da equipe. E um entra em campo mesmo contundido.

- Vejam a habilidaaaaaadeeee com que um dos atores dá o passe.
- O time está muito entrosado.
- Olha a ginga, a categoria com que é feito o lance.
- Esse time não joga na defesa, está todo na ofensiva, não tem retranca e é liiiiindo de ver. - - Um deles tem a tarefa mais destacada de armar a equipe, deixando espaço para seus companheiros criarem jogadas espetaculaaaaaaaaaaaares.

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- E o primeiro tempo termina. Apesar do jogo continuar empatado, todos ainda estão com muito gás. O segundo tempo promete.
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- E eles voooooltam a campo dispostos a reverter o placar. E o técnico não mexeu no time, fica tudo igual para o segundo tempo. O time está bonito, o que falta é só jogar para o gol e correr para o abraço.

- E o jogo reinicia.
- Acho que vamos ter alterações. O técnico pede para o dramaturgo se aquecer na lateral do campo.
- Atenção no lance. Ator passa a bola para outro ator, que de calcanhar passa para o músico que devolve na lateral direita, ator dribla o primeiro, a segunda e .....baaaaaaaate na traaaave. A jogada estava perfeita. Faltou “isso” para levantar a galera....uuuuhhhhhh
- Acho que o técnico mudou de idéia, o dramaturgo está voltando para o banco. Ainda é início do segundo tempo, tem bastante tempo para a partida se definir.

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- E chegamos ao final do segundo tempo. A equipe apresenta sinais de desgaste. Era tudo o que eles não queriam nessa altura do campeonato: ir para uma prorrogação.
- A prorrogação é complicada porque exige muito da equipe, tanto emocional quanto fisicamente.
- Agora sim teremos mudanças, o dramaturgo vai entrar na prorrogação.
- Quem sabe essa alteração possa trazer um novo fôlego.
- E que ele consiga reverter este resultado que não é justo e não reflete a belíssima atuação da equipe.

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- É meus amigos. A partida foi belíssima mas continua empatada e agora a decisão vai para os penalts.
- E o que você acha da entrada do dramaturgo? Alterou alguma coisa na atuação da equipe?
- Mudou o ritmo, criou novas possibilidades, mas a equipe já estava cansada. Acho que ele será uma das opções do técnico nos penalts. Ele é um excelente batedor. E tem sido sempre uma opção na hora dos chutes livres.

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- E como imaginávamos a decisão está nas mãos do dramaturgo. O chute é dele. Ele pode definir a partida.
-Todo jogo é uma caixinha de surpresas.
- Quem não faz marca.
- Mas o importante não é o resultado.
- Pela tensão da equipe, acho que eles não compartilham da mesma opinião.
- E o momento é esse. O dramaturgo vai chutar, ele se posiciona, ganha distanciamento, observa, coooooorre ....chutou! e foi fooooooooooooraaaaaaa!!!!!Fooraaaaaaa!!! Eu não acredito!!! Passou raspando, tirando tinta da trave.

- Não dá para acreditar. Não era pra ser.
- Mas a equipe está de parabéns! Mostraram um belíssimo trabalho


Todos muito emocionados, Não querem dar declarações.
Dramaturgo se aproxima do técnico e pede para entrar no primeiro tempo na próxima partida. Técnico diz que vai pensar. Precisa sentir mais o time.

Ciranda na Sé no cortejo do palhaço morto